O NECESSÁRIO PERDÃO A SPINOZA
AMSTERDÃ - Mais de 350 anos após a
comunidade judaica desta cidade excomungar Baruch Spinoza e proibir seus
escritos para a eternidade, livros do filósofo estão à venda na loja de
recordações da sinagoga da comunidade.
Spinoza, um filósofo judeu
nascido na Holanda, que lançou as bases intelectuais do Iluminismo e é por
vezes referido como a história do primeiro judeu secular, foi banido por judeus portugueses de Amsterdã, em
1656, por heresia. O fato de que as suas obras já estão sendo vendidas pela
própria comunidade da qual ele já foi condenado ao ostracismo é citada por
alguns como evidência de que atualmente a proibição é completamente anacrônica.
Mas, para os admiradores do filósofo
(como eu), o fato de que ele nunca ter sido formalmente readmitido permanece
uma mancha na comunidade e reforça a visão de Spinoza de que o judaísmo (ortodoxo)
é uma fé dogmática.
É por isso que centenas deles estiveram reunidas
para um debate histórico sobre a possibilidade de levantar formalmente a
proibição e, talvez, até mesmo do efeito da reabilitação simbólica de Spinoza no
seio do povo judeu.
"Suas ideias são uma parte da herança holandesa", disse Ronit
Palache, um judeu secular holandês, de 30 anos, e auto descrito como aficionado
por Spinoza e que organizou o simpósio. "O tempo para levantar a proibição
está muito atrasado. É uma marca negra na história judaica."
O simpósio, um evento com lotação
esgotada, que contou com um discurso do chefe da comunidade judaica portuguesa,
holandesa e principais estudiosos sobre Spinoza de quatro continentes.
Já não é sem tempo, pois a Igreja Católica há muito redimiu Galileu
Galilei, pedindo perdão pelo absurdo de tê-lo excomungado. Como disse Ronit
Palache, nós judeus estamos atrasados em relação aos católicos, pois temos a
obrigação moral de pedir perdão a Baruch Spinoza pelo absurdo de tê-lo banido.
Ninguém pode ser condenado por defender novas ideias. O físico italiano
defendeu ferreamente a ideia correta de que a Terra não é o centro do Universo,
mas um pequeno planeta que gira em torno do Sol, criando a ciência moderna.
Spinoza defendeu a bela ideia de que Deus não é um soberano sentado nas nuvens,
mas é a Natureza Naturante com suas
infinitas e perenes leis causais que geram todas as coisas existentes. E também
é a Natureza Naturada que são essas próprias
coisas em constante movimento e transformação. Todos os homens e todas as
coisas são divinas. Não porque foram criadas por D’us, mas porque são modos de
ser e existir de D’us. Ideias estas que estão muito próximas da Cabalá e da ideia do tzitzunim (contrações de D’us).
Portanto, ninguém precisa ser um grande profeta para ter revelações
divinas, pois todos somos pequenos profetas que vibramos em ressonância com Sua
Existência. Essas foram as principais ideias que levaram a ultra ortodoxa
comunidade sefaradita de Amsterdã a bani-lo com um Cherem (sentença de banimento) extremamente cruel.
O grande Primeiro Ministro de Israel, David Ben Gurion era um spinozista
convicto e tentou redimi-lo, mas esbarrou na ortodoxia do Grande Rabinato de
Israel (leiam o maravilhoso diálogo de Ben Gurion com Amós Oz em Sobre Amor e Trevas). Mais de um século
antes da revolução francesa, Spinoza fundou o Iluminismo e tornou a religião e
a filosofia compatíveis com a ciência moderna, influenciando profundamente
Albert Einstein e sua Teoria da Relatividade.
Precisamos lutar contra os pequenos, mas renitentes bolsões de
intolerância e obscurantismo que ainda se alojam no interior das ortodoxias
religiosas, pois, sem dúvida, Spinoza pode ser considerado o nosso Galileu e
Rousseau, juntos!
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