DEUS JOGA DADOS OU
XADREZ COM OS HOMENS?
Spinoza nos diz:
1ª. - Uma coisa que é determinada por Deus a qualquer ação não
pode tornar-se a si própria indeterminada.
2ª. - Na natureza nada existe de contingente, antes, tudo é
determinado pela necessidade da natureza divina a existir e a agir de modo
certo.
3ª. - As coisas não poderiam ter sido produzidas por Deus de
maneira diversa e noutra ordem do que têm.
4ª. - É da natureza da razão considerar as coisas necessárias e
não contingentes, no entanto, imaginamos as coisas como contingentes somente em
razão da insuficiência do nosso conhecimento.
Em linguagem popular
essas 4 proposições podem ser resumidas com o dito popular: “nada ocorre por
acaso, tudo tem uma razão (causa) de ser. Se alguma coisa nos parece aleatória
é tão somente porque não conhecemos as causas que a produziram.
Einstein responde:
“Parece difícil observar as cartas de Deus. Mas sequer por um
instante posso acreditar que Ele joga dados".
O que também pode ser
entendido de forma muito simples: nada na natureza ocorre por acaso como num
lance de dados. Pelo contrário, se soubermos com detalhes as causas que antecedem
um acontecimento, poderemos prever com precisão a ocorrência desse fenômeno.
Para Spinoza e Einstein existe
na Natureza uma sólida cadeia de causas e efeitos que
se sucedem no tempo. O conhecimento correto é assim trilhar essa cadeia fazendo
previsões do que ocorrerá a partir do que ocorreu. O presente é conseqüência da
história, assim como o futuro será conseqüência do presente.
Já na interpretação dominante da Teoria Quântica não se pode saber
simultaneamente a posição e a velocidade de um corpo. Assim se meço a posição
perturbo sua velocidade a tal ponto que não posso saber aonde o corpo se
deslocara depois da medida. E reciprocamente se meço a velocidade com precisão
sua posição ficará total ou parcialmente desconhecida. Este é a famoso
principio de indeterminação ou incerteza de Heisenberg, verdadeiro axioma da
Teoria Quântica. Não podemos saber ao certo se a cadeira que vemos a nossa
frente está de fato ali. O simples fato de
observá-la faz com que ela saia de lá com paradeiro desconhecido, só nos
restando atribuir probabilidades de onde poderá estar!
Portanto, ao contrário de Spinoza e Einstein os quânticos afirmam
que não se pode ter um conhecimento
completo do estado presente de um corpo, pois para saber para onde este corpo está precisamos interagir com ele de forma que
o perturbaremos de forma irreversível. Só poderemos atribuir probabilidades
onde o corpo pode (ou não) estar!
Einstein e Spinoza acham que Deus não era maldoso, a ponto de
fazer os objetos fugir ao se tentar localizá-los e não se poder saber onde
estão e, ao mesmo tempo, aonde irão. Ele não joga dados, fazendo o mundo se
transformar num cassino de apostas. Einstein então desafia-O para uma partida
de xadrez cósmico, tentando descobrir algumas de Suas regras, em silêncio,
mesmo sabendo que vai perder ou, na melhor das hipóteses, empatar o jogo.
Lembre-se que Deus se contrai para criar o mundo e O vemos através de várias
cortinas ou atributos que filtram a Sua infinita luz! Certa vez Einstein escreveu
em uma carta ao físico americano David Bohm: “Se Deus criou o mundo, sua
principal preocupação certamente não era facilitar o entendimento para nós”.
Einstein acreditava, pois na possibilidade de conhecer, pelo menos em parte, as
regras que Deus criou para esse grande tabuleiro de xadrez que é o universo.
A interpretação da escola de Copenhague ao qual Heisenberg e Bohr
são os principais representantes parece mais próxima de uma filosofia do
sujeito, de cunho pós-metafísico (neo-kantiana), na qual a observação e a
descrição humanas desempenham um papel preponderante. A citação abaixo parece
sinalizar para esta aproximação.
Heisenberg nos diz:
“Na ciência, o objeto da investigação não é mais a natureza em si,
mas a natureza submetida à interrogação dos homens (...) na mecânica quântica
era necessário encontrar fórmulas matemáticas que expressassem, não a natureza,
mas sim o seu conhecimento (...) A incidência do método modifica o seu objeto e
o transforma até o ponto em que o método não pode mais se distinguir do
objeto”.
Como afirmou Protágoras, o homem é a medida de todas as coisas! Para Heisenberg e os quânticos, o mundo nada mais é que observação humana. E esta perturba de forma irreversível os objetos lançando-os
num campo de probabilidades. Não vemos o mundo nem a natureza como ela é, mas
apenas como resultado de nossa ação de observá-la e nossa ação perturba de tal
modo os objetos observados que estes se tornam indeterminados no espaço. A
Teoria Quântica cria assim um sujeito que é um monstro grego de duas
cabeças. A primeira delas é a do Homem Vitruviano de da Vinci, centro do
universo, que resgata sua posição central! Mas a segunda cabeça é a de uma
serpente que se devora pelo rabo, pois à medida que homem observa o mundo
destrói sua previsibilidade, introduzindo-lhe perturbações que o tornam
imprevisível. Para eles, a ciência é a descrição que os homens fazem do mundo e
não o descobrimento de um mundo construído com regras divinas!
Desta forma, Heisenberg, Bohr e os quânticos jogam dados com Deus
porque alegam jamais poderem ver o
tabuleiro, nem suas peças, por completo, mas apenas uma parte que aparenta ser
contingente e aleatória. A natureza é como uma mulher de dois véus, jamais se
deixando ver por completo. Ao se descobrir o véu da posição, a velocidade fica
completamente coberta pelo véu da incerteza. Se souber onde estás não saberei
aonde vais... és como um vagalume piscando na noite escura: vejo uma piscadela
ali, mas não sei onde será a próxima. E
se souber aonde vais, não saberei onde estás: és um raio de luz, vejo sua
direção e sentido, mas não sei onde está a luz. Não posso saber mais do que
isso: ou vejo vagalumes piscando a esmo na noite escura ou vejo feixes luminosos sem posição
definida.
HOMEM PARTE DA
HUMANIDADE OU MODO DE SER DA NATUREZA?
O pensamento científico desde o século XX encontra se, na verdade,
irremediavelmente dividido entre essas duas escolas. De um lado, o realismo spinoziano-
einsteiniano e, de outro, a irredutível indeterminação proposta pelos físicos
quânticos da Escola de Copenhague, liderados por Bohr, Heisenberg e Born,
dentre outros. Para Einstein, herdeiro da tradição realista, todo fato tem uma
causa que o antecede e o determina necessariamente, seja ela oculta ou não.
Nada pode ser diferente do que realmente é, e nada ocorre acidentalmente ou de
forma contingente. Somente a ocultação de uma ou mais causas se nos apresenta
na forma de contingências, como reza a quarta proposição de Spinoza acima
citada. O acaso é fruto apenas de nossa ignorância acerca das causas e não uma
condição ontológica e irredutível da natureza. Já para os últimos,
provavelmente influenciados por uma visão ora neo-empirista ora pragmatista,—
quem poderá determinar ao certo de onde vêm as influências do pensamento? — o
acaso e a contingência seriam essenciais a todo processo de conhecimento e uma
coisa pode ser e não ser, ou ocorrer ou não, de forma imprevisível ou
dependendo de como é percebida.
Contrariando as quatro proposições da Ética, acima expostas, nada
podemos afirmar ou prever com certeza, e assim uma causa pode desencadear um
efeito apenas provável, e, reciprocamente, um efeito pode ter uma causa apenas
provável. Aliás, nada garante que haja um processo de produção ou gênese de
fatos.
Para Einstein, essas idéias de contingência do universo, soavam
como um perigoso conformismo com o desconhecimento e a magia. De fato, toda
mágica consiste na ocultação proposital de uma ou mais causas que a produzem,
ao se descobri-las cessa a magia e seus efeitos ilusórios. Assim, para ele, se
um coelho foi tirado de uma cartola, ele já estava lá, oculto num fundo falso.
Já para Bohr, o coelho é o colapso de uma realidade múltipla, ou a atualização
de uma existência em potência na qual estão superpostos estados “coelhos” e
“pombas”, e somente depois de consumado o ato de observação, surgem coelhos ou
pombas, a depender do tipo de cartola utilizada... Ora, por trás das concepções
antagônicas de Einstein e Bohr, ocultam-se visões culturais francamente
distintas.
Se Einstein é um herdeiro do spinozismo realista do séc. XVII,
onde há uma ordem, imanente à natureza, que segue seu curso independentemente
da vontade e das representações humanas, Bohr e Heisenberg, e seus seguidores,
parecem preferir trilhar por um instrumentalismo pós-metafísico, devolvendo ao
homem o papel de protagonista ontologicamente central do processo de aquisição
do conhecimento. Resultam daí o acaso e a contingência como conseqüências desse
processo onde o homem é sujeito de seu livre-arbítrio, tendo o poder da escolha
final, pois, a depender de como constrói seu experimento, seu objeto
atualizar-se-á de formas distintas, ocultando sempre alguns aspectos da
realidade física. Se em Einstein, via Spinoza, o homem é apenas um elo da
cadeia substancial infinita, em Bohr ele é o sujeito central do conhecimento,
ainda que não possa determinar, com absoluta certeza, o que irá observar. A
comunidade científica parece ter aderido às idéias de indeterminação, à não
divisibilidade de um todo em partes interagentes e a um crescente pragmatismo
em que as teorias científicas nada mais devem ser do que descrições
convenientes do mundo visto como mera representação humana. Ao passo que os
realistas preferem perceber o homem como uma minúscula porção de um universo
regido por leis invariantes e imutáveis de causalidade local. Dito isto de
outra forma, enquanto Einstein prefere buscar a natureza que vige em sua
realidade soberana nas próprias coisas, independentemente da observação humana;
Bohr e os quânticos preferem ver o homem como o mais eloqüente intérprete da
natureza que se desdobra frente ao seu olhar, como convém ao eloqüente sujeito
pós kantiano.
Deixo ao leitor a iniciativa de exercitar seu livre arbítrio — se
bem que para Spinoza e Einstein também este último é uma ilusão — com o intuito
de decidir entre visões de mundo tão radicalmente distintas e irredutíveis. Vocês
preferem jogar xadrez com Deus, tentando entender suas regras ou esperar que
Ele jogue dados, decretando seus destinos ao acaso?
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